quarta-feira, março 29, 2006


Sim… mas tem os cantos redondos?

Quando eu era criança, tinha uma amiga muito gabarola. Faroleira mesmo: que a boneca nova tinha o pai trazido dos Estados Unidos e cá não havia igual, nem parecida; que o extraordinário puzzle de cem peças (ou melhor, "um dréde pisses" - a mocinha era muito fonética) fora comprado pela mãe em Londres; que o bibe roxo petúnia era super patati; que o livro de colorir era hiper patata

Na altura em que a televisão a cores chegou a Portugal, a minha amiga anunciou solenemente que lá em casa já havia uma televisão a cores há imenso tempo. Uma televisão pioneira, trazida pelo pai da Holanda, país que, como todos sabiam, era sobejamente colorido e desde os primórdios da nacionalidade. Perante a galhofa geral e cereja de indignação pela falta de respeito que tão evidente superioridade nos provocava, a pequena explicou que não senhor, não andava a ver às cores, a televisão é que ERA a cores. Também não, não era cor-de-rosa às bolinhas para combinar com os reposteiros de veludo, era um aparelho que DAVA para ver a cores, se a emissão tal permitisse. Não permitia, mas isso não invalidava o potencial. Aliás, papagueava ela (as farolices eram miméticas, coitada, ninguém escapa à massa do sangue), o aparelho era soberbo, um Philips GTI muito especial de corrida. Entretanto, já os havia cá à venda, mas com cantos quadrados e aquele, sim, aquele tinha CANTOS REDONDOS! Por aí se via ser modelo deluxe, importado e - oh glória!- um dos primeiros televisores potencialmente a cores alguma vez chegados a Portugal. Claro que a explicação foi pior que o soneto e os famigerados cantos redondos ficaram para sempre no nosso imaginário gozão. Namorado novo? Sim… mas tem os cantos redondos? Só dezoito no trabalho de história? Que injustiça, enfim… ao menos a capa tinha os cantos redondos?

Não sei bem por que carga de associação de ideias, mas veio-me à memória este pedaço de mim ao ler o texto que antecede, dum querido e injustiçado amigo milhafre. Deixe lá, João G, eles não sabem nem sonham, mas é garantido… o Benfica tem os cantos redondos.


"Nuestros hermanos":

1. «Al final, increíble empate sin goles en Lisboa en un partido plagado de ocasiones para el Barça. Los azulgrana necesitarán afinar su puntería en el partido de vuelta en el Camp Nou para doblegar a un Benfica rocoso y peleón que intenta, con lo poquito que tiene, plantar cara a los más grandes del continenteDaqui

2. «LA NOCHE DEL PERDÓN
El Barça dejó vivo al Benfica, que hizo el ridículo con su portero entre fallón y felino y se salvó por la falta de pericia atacante de los del chaleco reflectante.
Un penalti no pitado a Motta, por mano, le dio al Benfica de Koeman argumentos para la protesta en un partido donde no hubo premio para el repaso de los barcelonistas, que se quedaron sin la goleada merecida. Dos postes recordaron la final del 61 en Berna.» Daqui

3. «Pocas veces lo habrá tenido el Barça tan fácil para sentenciar una eliminatoria. Pocas veces un equipo falló tantas y tan claras ocasiones de gol, sin marcar ninguno. Pero esta noche el conjunto azulgrana 'perdonó' a un rival que sigue vivo de milagro. Y es que el Benfica puede hacer palmas después del 0-0 en el estadio de La Luz. El Camp nou decidirá dentro de una semana..Daqui

Nota prévia: este blog, que eu saiba, nunca publicou um palavrão.

Nota subsequente: Ó espanhóis da merda, ainda hão-de levar no oleoduto do congo!

segunda-feira, março 27, 2006


To be or not to be...

No way…
Esperavam, então, que, no dia do teatro, vos massacrasse com Hamlet, act III, scene 1?
Profundíssimo esse solilóquio, mas tão sobejamente conhecido e gasto…
Mas porquê Shakespeare, ainda assim?
Porque não Gil Vicente, Sttau Monteiro, Yasmina Reza, Beckett, Camus, Brecht, Cervantes, Ibsen, Wilde e o resto que mais parece uma lista telefónica desde a antiguidade clássica (que é o que isto está quase a ser e paro por aqui)?
Porque, amanhã, verão – os que virem – a adaptação, para cinema, da peça “Henrique V” e eu gosto, especialmente, deste excerto que antecede a batalha.
Perante a esmagadora força do exército francês e a hesitação e medo da quase certa derrota britânica, o monarca convence as suas tropas com um discurso que Shakespeare dramatiza e imortaliza na sua obra de 1599:

St. Crispin's Day Speech

Enter the KING

WESTMORELAND. O that we now had here
But one ten thousand of those men in England
That do no work to-day!

KING. What's he that wishes so?
My cousin Westmoreland? No, my fair cousin;
If we are mark'd to die, we are enow
To do our country loss; and if to live,
The fewer men, the greater share of honour.
God's will! I pray thee, wish not one man more.
By Jove, I am not covetous for gold,
Nor care I who doth feed upon my cost;
It yearns me not if men my garments wear;
Such outward things dwell not in my desires.
But if it be a sin to covet honour,
I am the most offending soul alive.
No, faith, my coz, wish not a man from England.
God's peace! I would not lose so great an honour
As one man more methinks would share from me
For the best hope I have. O, do not wish one more!
Rather proclaim it, Westmoreland, through my host,
That he which hath no stomach to this fight,
Let him depart; his passport shall be made,
And crowns for convoy put into his purse;
We would not die in that man's company
That fears his fellowship to die with us.
This day is call'd the feast of Crispian.
He that outlives this day, and comes safe home,
Will stand a tip-toe when this day is nam'd,
And rouse him at the name of Crispian.
He that shall live this day, and see old age,
Will yearly on the vigil feast his neighbours,
And say 'To-morrow is Saint Crispian.
Then will he strip his sleeve and show his scars,
And say 'These wounds I had on Crispian's day.'
Old men forget; yet all shall be forgot,
But he'll remember, with advantages,
What feats he did that day. Then shall our names,
Familiar in his mouth as household words-
Harry the King, Bedford and Exeter,
Warwick and Talbot, Salisbury and Gloucester-
Be in their flowing cups freshly rememb'red.
This story shall the good man teach his son;
And Crispin Crispian shall ne'er go by,
From this day to the ending of the world,
But we in it shall be remembered-
We few, we happy few, we band of brothers;
For he to-day that sheds his blood with me
Shall be my brother; be he ne'er so vile,
This day shall gentle his condition;
And gentlemen in England now-a-bed
Shall think themselves accurs'd they were not here,
And hold their manhoods cheap whiles any speaks
That fought with us upon Saint Crispin's day.


Facts, facts…

Fact: os britânicos ganharam, against all odds
Fact: sobreviveram à batalha mais de trezentos franceses nobres.
Fact: os britânicos preferiram matar os prisioneiros a negociar o seu resgate, devido ao seu grande número.
Fact: Maria Gambrelli killed the gardner.

domingo, março 26, 2006


Saudades de Ireneia

Ainda tens os cabelos loiros Ireneia? Ainda moras na rua da escola? Ainda pões aquela saiazinha verde muito curta e os patins de botas brancas, ainda giras à roda à roda à roda no ringue de patinagem do Académico, de braços no ar por cima da cabeça, sem olhar para mim, sem olhar para ninguém? Ainda fazes uma vénia quando a música acaba, mesmo que não haja ninguém para aplaudir? Lembro-me de saíres da rua da escola com os patins às costas e me espantar por andares como as outras pessoas, por andares como eu porque me era difícil imaginar-te fora do ringue, a girar à roda à roda à roda, de braços no ar por cima da cabeça, porque me era difícil imaginar-te com uma vida como a nossa, emprego, casa, jantar, dores de dentes, gripes, conta do gás, era-me difícil imaginar-te no meio de torneiras que não vedavam bem, de tectos que pingavam no inverno, de discussões, de borbulhas, de pontos pretos, de rafeiros que nos esquecemos de levar às árvores e se descuidam na esteira. Ainda pões aquela saiazinha verde, Ireneia, ainda ficas muito séria quando a música acaba, dobrada numa vénia sem olhar para ninguém? O teu pai era empregado na Carris, picou-me bilhetes vezes sem conta, chamava-se senhor Geraldo e era careca, a tua mãe deixou o lugar na praça por causa das artérias que eu bem a ouvia queixar-se à minha tia- o meu ponto fraco são as artérias dona Lúcia e eu achava esquisito, achava impossível teres nascido deles e morares numa cave da rua da escola de duas divisões se tanto, janelas à altura do passeio e uma cadelita com uma capa de lã sempre a ladrar lá dentro, achava esquisito viveres com o senhor Geraldo e a senhora das artérias- o médico não há maneira de me atinar com os comprimidos dona Lúcia que puxava o corpo com uma bengala e se lamentava de o senhor Geraldo se tornar violento com a cerveja- Até um pontapé deu na Menina, dona Lúcia, que ficou a ganir a tarde toda achava de tal maneira esquisito, de tal maneira impossível que para mim tu não existias na rua da escola, Ireneia, existias no ringue do Académico, a girar à roda à roda à roda com aquela saiazinha verde muito curta e os patins de botas brancas, livre de artérias, cadelas e cervejas a agradecer as palmas que ninguém batia, existias sozinha, acima de nós, etérea, inalcançável, diferente, livre das nossas maçadas e da nossa falta de dinheiro, vogando de cabelo preso num laço o teu cabelo loiro Ireneia num bairro onde não existiam lojas de penhores nem obras no alcatrão nem desempregados a jogarem sueca sentados nos tijolos de uma obra no largo que não acabava nunca, que os operários abandonaram a meio deixando poeira e sacos e andaimes a atravancarem a passagem para a igreja e a obrigarem-nos a dar a volta pelo acampamento dos ciganos ou pelo terreiro do circo que era só um palhaço e um leão tinhoso à espera, à entrada de uma rulote, do público que não havia. Que é feito de ti Ireneia? Dizem-me que engordaste mas não acredito, que o senhor Geraldo morreu, que a tua mãe morreu, que habitas a cave na rua da escola casada com um empregado dos telefones, que também sofres das artérias, que nunca mais patinaste no Académico mas não pode ser. Amanhã à tarde vou lá ao ringue ver-te porque tenho a certeza que mesmo passados trinta anos ainda tens os cabelos loiros, ainda tens aquela saiazinha verde muito curta, ainda giras à roda à roda à roda de braços no ar por cima da cabeça e quando a música acabar e te dobrares numa vénia sem olhar para ninguém, se por acaso deres conta de uma criatura na bancada a aplaudir-te sou eu. Não mudei muito. Claro que estou mais velho mas sou eu. Aquele rapaz gago com uma falhazita no lábio, que nunca teve coragem de sorrir-te, nunca teve coragem de te dizer olá. O sobrinho da dona Lúcia, que a dona Lúcia garantia não passar da cepa torta derivado ao pé boto e àquele defeito na fala. Realmente não passei da cepa torta mas continuo a ir ao ringue de patinagem aos domingos na esperança de te ver girar à roda à roda à roda e sentir-me feliz. Gostava que aparecesses um dia Ireneia: é que às vezes é um bocadinho triste bater palmas para um ringue vazio.

António Lobo Antunes

quinta-feira, março 23, 2006


Tem Graça...


Freitas as contas em linha...

A galinha da vizinha
É mais "tamiflu gorda" do que a minha.

quarta-feira, março 22, 2006


O público agita-se nas bancadas...

terça-feira, março 21, 2006


Na noite do dia da poesia

Les amoureux au bouquet - Marc Chagall


Nous avons fait la nuit

Nous avons fait la nuit, je tiens ta main, je veille
Je te soutiens de toutes mes forces
Je grave sur un roc l’étoile de tes forces
Sillons profonds où la bonté de ton corps germera
Je me répète ta voix cachée, ta voix publique
Je ris encore de l’orgueilleuse
Que tu traites comme une mendiante
Des fous que tu respectes, des simples où tu te baignes
Et dans ma tête qui se met doucement d’accord avec
la tienne, avec la nuit
Je m’émerveille de l’inconnue que tu deviens
Une inconnue semblable à toi, semblable à tout ce que j’aime
Qui est toujours nouveau


Paul Éluard, 1936, Les Yeux Fertiles

Prima e Francisca

segunda-feira, março 20, 2006


Sinceramente

SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
Despacho n.º 3849/2006
Nos termos do disposto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 354/97, de 16 de Dezembro, e nos artigos 1.º, 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 188/2000, de 12 de Agosto (com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 74/2002, de 26 de Março), nomeio secretário pessoal do vice-presidente conselheiro Domingos Brandão de Pinho, e por indicação deste, o licenciado Tiago Filipe Pereira Brandão de Pinho, com efeitos a partir de 1 de Fevereiro de 2006.
1 de Fevereiro de 2006. - O Presidente, Manuel Fernando dos Santos Serra.
in DR 2.ª série - p. 2378 na edição em papel e p. 42 na edição electrónica

Às más línguas que vêem nepotismo neste inocente despacho, gostaria de dizer o seguinte:

a) Secretário pessoal é um cargo de confiança e se uma pessoa não pode ter confiança no sangue do seu sangue, em quem é que pode confiar? Eu tentei nomear a minha mãezinha para secretária pessoal, infelizmente ela é um tico "santanete" e declarou que só aceitaria sacrificar-se em troca de um Audi A 10, mas tenho esperanças no meu pai que é um homem com grande espírito de missão e não gosta de conduzir.
b) Consta-me ser o licenciado Tiago Filipe Pereira um rapaz com curriculum impressionante, capaz de dactilografar mil palavras por minuto, hiper discreto, com imenso jeito para fazer chá e muito boas maneiras ao telefone. Deveria o Conselheiro deixar escapar esta pérola só por causa da coincidência de apelidos?


Good Night, and Good Luck

Foi o meu filme deste fim-de-semana.
Tagline: "We will not walk in fear of one another".

We do, we do.


A (não) notícia do dia

A imprensa internacional anuncia que Angelina Jolie e Brad Pitt não casaram este fim-de-semana. Só coisas que nos ralam...


Francamente pouco

A água no Algarve vai aumentar só até aos 100%? Sempre que passo numa daquelas piroseiras dos splashes and qualquer coisa fico com a ideia que 1000% seria benevolente.


Só 20% da agricultura portuguesa é competitiva

São as rolhas, Senhores!


Ribeiro e Castro

Pensa que um congresso extraordinário, mesmo com uma hipotética vitória extraordinária, inclusive com um extraordinário silêncio da oposição interna, conseguirá domar aquele grupo parlamentar ordinariozeco?


Directas

Não estando previstas eleições a nível nacional para tão cedo, o PSD procura generosamente preencher o espaço mediático em causa. Os industriais das bandeirinhas e dos bonés agradecem penhorados.


How the mighty...


Abriu a época da caça aos mourinhos?

domingo, março 19, 2006


A vida tem fome




O Proximizade é um blog que se dedica a ajudar-nos a diminuir a fome no mundo.

O blog conta, hoje, com uma pessoa apenas, mas conta, também, com o contributo de todos nós, para comentários, links, posts e/ou qualquer forma de participação que o faça reviver em pleno.
Vamos visitá-lo, linká-lo e, enfim, ajudá-lo a ajudar-nos.

quinta-feira, março 16, 2006


A impermanência

A poesia não precisa de justificação.

Senti, no entanto, necessidade de explicar o porquê de ser este - e não outro – poema aqui transcrito.

Nos últimos tempos – mais precisamente, nos últimos dias – tenho assistido a algum desejo pelo desapego e, sobretudo, uma certa inquietação pela impermanência das coisas ou das pessoas.

Lembrei-me que o Ruy Belo disse, a este propósito, mais do que eu ou muitos outros podíamos dizer.

Ilustrei-o com uma imagem que também se "lê" muito bem e que se fixou num tempo de lugar nenhum.



MURIEL

Às vezes se te lembras procurava-te
retinha-te esgotava-te e se te não perdia
era só por haver-te perdido ao encontrar-te
Nada no fundo tinha que dizer-te
e para ver-te verdadeiramente
e na tua visão me comprazer
indispensável era evitar ter-te
Era tudo tão simples quando te esperava
tão disponível como então eu estava
Mas hoje há os papéis há as voltas a dar
há gente à minha volta há a gravata
Misturei muitas coisas com a tua imagem
Tu és a mesma mas nem imaginas
como mudou aquele que te esperava
Tu sabes como era se soubesses como é
Numa vida tão curta mudei tanto
que é com certo espanto que no espelho de manhã
distraído diviso a cara que me resta
depois de tudo quanto o tempo me levou
Eu tinha uma cidade tinha o nome de madrid
havia as ruas as pessoas o anonimato
os bares os cinemas os museus
um dia vi-te e desde então madrid
se porventura tem ainda para mim sentido
é ser a solidão que te rodeia a ti
Mas o preço que pago por te ter
é ter-te apenas quanto poder ver-te
e ao ver-te saber que vou deixar de ver-te
Sou muito pobre tenho só por mim
no meio destas ruas do pão e dos jornais
este sol de janeiro e alguns amigos mais
Mesmo agora te vejo e mesmo ao ver-te não te vejo
pois sei que dentro em pouco deixarei de ver-te
Eu aprendi a ver na minha infância
vim a saber mais tarde a importância desse verbo para os gregos
e penso que se bach hoje nascesse
em vez de ter composto aquele prelúdio e fuga em ré maior
que esta mesma tarde num concerto ouvi
teria concebido aqueles sweet hunters
que esta noite vi no cinema rosales
Vejo-te agora vi-te ontem e anteontem
e penso que se nunca a bem dizer te vejo
se fosse além de ver-te sem remédio te perdia
Mas eu dizia que te via aqui e acolá
e quando te não via dependia
do momento marcado para ver-te
Eu chegava primeiro e tinha que esperar-te
e antes de chegares já lá estavas
naquele preciso sítio combinado
onde sempre chegavas sempre tarde
ainda que antes mesmo de chegares lá estivesses
se ausente mais presente pela expectativa
por isso mais te via do que ao ter-te à minha frente
Mas sabia e sei que um dia não virás
que até duvidarei se tu estiveste onde estiveste
ou se até exististe ou se eu mesmo existi
pois na dúvida tenho a única certeza
Terá mesmo existido o sítio onde estivemos?
Aquela hora certa aquele lugar?
À força de o pensar penso que não
Na melhor das hipóteses estou longe
qualquer de nós terá talvez morrido
No fundo quem nos visse àquela hora
à saída do metro de serrano
sensivelmente em frente daquele bar
poderia pensar que éramos reais
pontos materiais de referência
como as árvores ou os candeeiros
Talvez pensasse que naqueles encontros
em que talvez no fundo procurássemos
o encontro profundo com nós mesmos
haveria entre nós um verdadeiro encontro
como o que apenas temos nos encontros
que vemos entre os outros onde só afinal somos felizes
Isso era por exemplo o que me acontecia
quando há anos nas manhãs de roma
entre os pinheiros ainda indecisos
do meu perdido parque de villa borghese
eu via essa mulher e esse homem
que naqueles encontros pontuais
decerto não seriam tão felizes como neles eu
pois a felicidade para nós possível
é sempre a que sonhamos que há nos outros
Até que certo dia não sei bem
ou não passei por lá ou eles não foram
nunca mais foram nunca mais passei por lá
Passamos como tudo sem remédio passa
e um dia decerto mesmo duvidamos
dia não tão distante como nós pensamos
se estivemos ali se madrid existiu
Se portanto chegares tu primeiro porventura
alguma vez daqui a alguns anos
junto de califórnia vinte e um
que não te admires se olhares e me não vires
Estarei longe talvez tenha envelhecido
terei até talvez mesmo morrido
Não te deixes ficar sequer à minha espera
não telefones não marques o número
ele terá mudado a casa será outra
Nada penses ou faças vai-te embora
tu serás nessa altura jovem como agora
tu serás sempre a mesma fresca jovem pura
que alaga de luz todos os olhos
que exibe o sossego dos antigos templos
e que resiste ao tempo como a pedra
que vê passar os dias um por um
que contempla a sucessão de escuridão e luz
e assiste ao assalto pelo sol
daquele poder que pertencia à lua
que transfigura em luxo o próprio lixo
que tão de leve vive que nem dão por ela
as parcas implacáveis para os outros
que embora tudo mude nunca muda
ou se mudar que se não lembre de morrer
ou que enfim morra mas que não me desiluda
Dizia que ao chegar se olhares e me não vires
nada penses ou faças vai-te embora
eu não te faço falta e não tem sentido
esperares por quem talvez tenha morrido
ou nem sequer talvez tenha existido

Ruy Belo

terça-feira, março 14, 2006


Florzinhas

Este é o tempo da delicada doçura. A ironia morreu, o sarcasmo também, e o escárnio já não se está a sentir nada bem. Uma pitada de zombaria e ai! que me foram à honra e consideração e vou já ali apresentar queixa ao magistrado mais próximo para limpar o nome. Os tribunais, essa lixívia da toponímia dos melífluos. Azar que, como habitual nas lixívias, os processos amarelecem. E os nomes ficam um pedaço debotados. Sina de quem tem mais conceito que cintura e menos jogo que toleima.

Tudo isto para dizer que o Vasquinho tem os seus defeitos, pois tem: menos ácido, mais base, era capaz de lhe dar outro sal. Mas tomara quem o alcance nos calcanhares da verve. E uma profissional do alfinete, mesmo que rombo, não deveria saber que quem vai à guerra dá e leva? Ou a parlapatice, sem agudeza nem brilho, impede-a de discorrer?

Acresce que ser apelidada de hipotética e ilegível por VPV é quase um mimo. Imagine-se que, em vez de hipóteses, o homem tinha certezas… ou que havia conseguido ler a colunazinha, apesar de escondida no fardo semanal de pasta de papel. Mais, ser especialista do último escritor inglês com quem se almoçou não é desprimoroso. Ser especialista do último escritor inglês que se almoçou já cairia mal: a cozinha inglesa é muito traiçoeira.

Enfim, tirando a acusação de presuntiva, parece-me que o texto é polido. Mas mesmo isso é capaz de ser deficiência minha, que embirro com derivados de porco. Por outro lado, tenho a sorte de nunca ter sequer ouvido falar na descrição do pôr-do-sol no Cairo, o que me imbui de imensa caridade cristã.


Porque não quero deixar de me solidarizar com o vosso ataque de hormonas e o cão também é um excelente animal doméstico


E porque não?

domingo, março 12, 2006


porque sim


quarta-feira, março 08, 2006


segunda-feira, março 06, 2006


“Love me for love’s sake”



Faz hoje duzentos anos que nasceu Elizabeth Moulton-Barrett, nos arredores de Durham.

Tinha ela dez anos, o "tirano" pai tratou da ilustração do seu primeiro poema.

Em 1826, publicou ela, autonomamente, "An Essay of Mind and Other Poems".

Já perto dos quarenta, conheceu Robert Browning, e veio a casar com ele à revelia de seu pai. Não se limitaram a fazê-lo em segredo, fugiram mesmo, deram de frosques ou às de Vila Diego.

Cerca de quinze anos depois, morreu nos braços do seu marido e encontra-se sepultada na Piazzale Donatello, em Florença.

Entre a sua vasta e erudita obra destaca-se (para mim) Aurora Leigh, publicada em 1856, em que defende o direito das mulheres à liberdade intelectual.

O respeito pelos seus méritos literários foi tal que pensaram nomeá-la sussessora de William Wordsworth, como poeta laureado em 1850.

Notabilizou-se mundialmente com o seu livro "Sonnets from the Portuguese", cujos poemas de amor se dirigiam ao seu marido.

E depois das banalidades biográficas que todos conhecem, queria sublinhar, aqui, a sua subtil ironia na escolha do título deste livro.

Elizabeth Barrett, carinhosamente chamada "Ba" entre os familiares, estudou várias línguas e conhecia os enganos em que uma tradução pode cair.

O seu marido, Robert, deu-lhe outro diminutivo: "…his little portuguese", por causa das suas características físicas.

O livro, que sob anonimato publicou, foi quase sempre traduzido por "Sonetos dos Portugueses", "Sonetos Portugueses" e, em castelhano, "Los Sonetos del portugués".

A tradução correcta é, obviamente, a revelação da assinatura privada da sua autora: Sonetos da Portuguesa.

O que ela ainda hoje se riria pela mera inclusão de Camões num deles.
O que ela ainda hoje sorriria ao ver que tantos estrangeiros apaixonados se lembram, por trocadilho maroto, de Portugal.

Em memória dela, deixo-vos o tão conhecido soneto 43:


How do I love thee? Let me count the ways.
I love thee to the depth and breadth and height
My soul can reach, when feeling out of sight
For the ends of Being and ideal Grace.
I love thee to the level of everyday's
Most quiet need, by sun and candle-light.
I love thee freely, as men strive for Right;
I love thee purely, as they turn from Praise.
I love thee with the passion put to use
In my old griefs, and with my childhood's faith.
I love thee with a love I seemed to lose
With my lost saints, -I love thee with the breath,
Smiles, tears, of all my life! - and, if God choose,
I shall but love thee better after death.

Parabéns, Ba, e se daqui a cem anos eu não estiver cá para te celebrar e o teu túmulo, entretanto, ruir por falta de conservação, nada importa: outros te comemorarão, outros trarão dentro de si as palavras com que desconfiaram o que era paixão.

sábado, março 04, 2006


No momento em que te arrependes...



...percebes que é tarde demais.

sexta-feira, março 03, 2006


Uff, que alívio!

Ganso-patola que testou negativo ao H5N1.